sexta-feira, 24 de março de 2017

Produtores europeus pressionam por ampliação das barreiras contra Brasil

 23/03/2017 - Às vésperas de uma reunião em Bruxelas entre os chefes dos serviços de saúde animal do continente, a Confederação Europeia de Agricultores e as maiores cooperativas do continente pedem que a União Europeia amplie as barreiras contras as carnes exportadas pelo País.
Numa carta à Comissão Europeia, as entidades que representam o lobby agrícola - COPA e Cogeca - pedem "uma ação mais dura" contra os produtos brasileiros e mesmo uma reavaliação do acordo que se negocia entre Mercosul e Europa.
No fim de semana, a Europa exigiu que o Brasil tirasse da lista de exportadores quatro empresas envolvidas na Operação Carne Fraca. "Não é aceitável ter casos como esse de fraude em empresas certificadas para exportar por mais de dez anos", indicou o secretário-geral das entidades, Pekka Pesonen. "Essa não é a primeira vez que as autoridades brasileiras tem de lidar com fraude. Mas, lamentavelmente, não vemos medidas suficientes", disse.
Para Pesonen, suspender as quatro unidades de exportação "não é suficiente para evitar que novos casos apareçam". "Precisamos reconhecer que as missões enviadas por nós e os controles nas fronteiras da Europa não foram capazes de identificar os problemas no Brasil", disse.
Na carta, os produtores pedem que a Europa monitore a investigação no Brasil para garantir que nenhuma outra fábrica possa exportar. Além disso, querem o estabelecimento de um plano para lidar com a fraude no futuro.
Tradicionalmente oposto a um acordo com o Brasil, o setor agrícola europeu agora quer usar o caso para minar qualquer aproximação comercial. "O fracasso do Brasil levanta sérias perguntas sobre as negociações com o Mercosul", disse Pesonen. Ele alerta que, diante da fraude, o setor vai exigir que toda a carne exportada pelo bloco sul-americano tenha proveniência de um gado monitorado em todas as etapas de sua criação. Nesta sexta-feira, a UE se reúne em caráter de emergência para avaliar a situação brasileira. O Estado revelou em sua edição de quarta-feira que Bruxelas pediu para que cada governo do bloco colhesse amostras de produtos que estão entrando no continente nesta semana para avaliar sua situação sanitária. Se alguma irregularidade for encontrada, poderá haver uma decisão de ampliar o embargo.
Estado apurou que, na reunião desta sexta-feira, os veterinários vão examinar o resultado dos exames realizados pelo continente.
A pressão também veio do maior cliente das exportações de carnes do Brasil, a China. Pequim pediu que as autoridades nacionais "punam de forma severa" as pessoas e empresas envolvidas na fraude do setor de carnes. Ao contrário do que vinha apontando nos últimos dias, Pequim agora evita dar uma previsão de quando poderia voltar a importar o produto brasileiro.
Em uma coletiva de imprensa, o Ministério do Comércio da China insistiu na necessidade de que as autoridades no Brasil façam uma "investigação profunda" sobre o caso. "Adotamos medidas temporárias e suspendemos a importação de carnes do Brasil", confirmou Sun Jiwen, porta-voz do Ministério. Essa foi a primeira declaração pública do órgão responsável pelo comércio no país asiático.
"Esperamos que o governo brasileiro puna de forma severa empresas e indivíduos que violaram as regras", disse. A China ainda defendeu uma maior cooperação entre os dois países para garantir que a carne fornecida esteja dentro de padrões adequados. "Se colaborarmos, podemos prevenir e lidar com possíveis problemas que possam surgir no comércio de carne", indicou.
O alerta vem no momento em que o governo de Michel Temer está enfrentando uma onda de embargos pelo mundo e um impacto profundo nos embarques de carne. China, Canadá, Hong Kong, México, Arábia Saudita, Catar, Trinidad e Tobago, Africa do Sul, Suíça, Chile, UE, Japão e Jamaica já suspenderam em parte a importação de produtos nacionais, enquanto dezenas de operadores interromperam compras até que os casos fossem esclarecidos.
Pelos mares, carregamentos com toneladas de carne brasileira estão sem saber se poderão desembarcar em seus portos de destino, enquanto restaurantes e supermercados pelo mundo disputam novos contratos com fornecedores alternativos. Centenas de supermercados chineses ainda tem sido instruídos a retirar produtos brasileiros de suas prateleiras.
Em uma linguagem diplomática, o Brasil alertou na OMC nos últimos dias que iria examinar as barreiras impostas contra a carne nacional e que não iria aceitar exageros por partes dos parceiros. A pedido do Palácio do Planalto, postos diplomáticos nas principais capitais estão sendo instruídos a dar explicações sobre o caso e insistir que não existe motivo para frear as importações.
Na OMC, o governo optou por insistir que o caso no Brasil se refere à corrupção, e não sobre a qualidade do produto. Num documento circulado pelo governo, o Itamaraty indicou que está levando a sério os resultados da investigação, que Temer está pessoalmente envolvido no assunto e que considera que a operação da PF por si só é "prova da transparência e credibilidade" dos controles.
"Os controles sanitários do Brasil são sólidos e podem ser confiados", disse. "Os procedimentos são eficientes e resultam em alimentos seguros para o consumo. Reiteramos nosso compromisso em continuar a melhorar as garantias de nosso sistema de controle sanitário", afirmou.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Nem 1% do que foi descoberto pela PF foi mostrado, diz delator da Carne Fraca



22/03/2017 - Quando a Polícia Federal (PF) começou a investigar ações suspeitas de fiscais do ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), ela tinha como meta identificar se havia uma esquema de corrupção entre servidores públicos e empresas do setor de frigoríficos.
Ao grampear os telefones do suspeitos veio a surpresa: muitos dos diálogos narravam incidentes como contaminação de carnes, deficiências na refrigeração dos produtos, adulteração de mercadorias. Cada empresa era uma realidade diferente.
A maior parte dos crimes que podem ter alguma relação com riscos à saúde pública não chegou a ser investigada em profundidade na Operação Carne Fraca. No entanto, as conclusões dos investigadores estão descritas em detalhes nos autos do processo.
A PF pediu busca e apreensão em 56 empresas e órgão públicos, 37 do setor de alimentos. Mas uma análise do que foi apurado das 21 empresas que tiveram suspensas as certificações para exportação dá uma ideia da enorme diversidade de problemas que foram identificados.
Diversidade
Dos 21 frigoríficos, cinco são acusados apenas de prática de corrupção, sendo que, no caso de dois deles, os grampos indicam que funcionários e proprietários das empresas foram achacados para pagar propina. Eles chegaram a se queixar com os superiores dos fiscais, mas como as denúncias não deram em nada, acabam por aderir ao esquema.
Em três empresas, as investigações apontam que não havia efetiva fiscalização: os funcionários das unidades produtoras preenchiam certificados sanitários e outros documentos e os fiscais apenas assinavam. Vários são os relatos de que os papéis eram levados até a casa dos fiscais para serem assinados.
Há indícios também de que quatro empresas adulteraram documentos enviados ao Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) sobre a composição de produtos. Entre eles estavam salsichas que foram encomendados para atender uma licitação pública para escolas.
Os dois casos mais graves são de fraudes na formulação dos produtos alimentícios, como substituição de carne por outros produtos para enganar a fiscalização; carnes sem rotulagem, sem refrigeração; utilização de carnes estragadas para produzir embutidos, como salsichas e linguiça e falsificação de análises de laboratório dos produtos adulterados.
O fiscal agropecuário federal Daniel Gouveia Teixeira, responsável por denúncias que levaram à Operação Carne Fraca, afirmou que há uma série de irregularidades ainda não reveladas pela Polícia Federal (PF). Em entrevista à Rádio Eldorado nesta quarta-feira, 22, Teixeira ressaltou que o pagamento de propina é frequente no processo de fiscalização da carne. "Não foi mostrado nem 1% do que foi descoberto pela Polícia Federal", disse.
O servidor do Ministério da Agricultura, que foi transferido de função desde o início das investigações, atribui as falhas à ingerência decorrente de indicações políticas. "É a interferência de políticos para tirar e colocar fiscais mais rigorosos em locais que não atrapalhassem interesses das empresas", relatou.
Teixeira também revelou que havia denúncias relacionadas ao setor engavetadas há cerca de dez anos. "A PF conseguiu fazer em dois anos o que o Ministério da Agricultura não fez em dez", garante.
Apesar de denunciar o envolvimento de colegas e frigoríficos nos casos de corrupção, o fiscal tranquiliza a população em relação ao consumo da carne produzida no País. "Não é motivo de pânico. A população tem de conhecer o produto, verificar se é fiscalizado. 90% dos meus colegas são pessoas honestas e qualificadas que trabalham para garantir a qualidade dos produtos."
Teixeira ainda afirmou que as irregularidades foram registradas ao longo de vários governos, ao menos desde o mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e que não houve mudança após o PMDB assumir o Planalto. O delator disse não ter conhecimento de qualquer associação ou formação de cartel por parte dos frigoríficos que pagavam propina a servidores federais. Ele criticou ainda as tentativas de minimizar a importância da Operação Carne Fraca.
O funcionário representa a categoria como delegado sindical, mas garante não ser filiado a nenhum partido político. Ele recebe segurança da Polícia Federal e de outros órgãos de segurança do Paraná desde o início da operação, há dois anos e meio.




Com os Estados Unidos, que decidiram passar a inspecionar 100% das amostras de carne importada do Brasil, segundo informações do Ministério da Agricultura, e a Jamaica, que suspendeu as importações de carne enlatada e termoprocessada brasileira, já foram 12 os países ou blocos econômicos que adotaram algum tipo de restrição às importações do produto brasileiro ou pediram informações após a Operação Carne Fraca da Polícia Federal.
De acordo com balanço do Ministério da Agricultura fechado na terça-feira à noite, o número de países ou blocos que mantêm alguma restrição ao produto do Brasil caiu para 11, já que a Coreia do Sul havia bloqueado a compra de produtos da BRF, mas ontem voltou atrás e desistiu da decisão.
Veja a lista abaixo a lista de locais que chegaram a adotar algum posicionamento sobre as carnes brasileiras:
- Chile: suspensão temporária de todos os tipos de carne;
- China: suspensão do desembaraço aduaneiro de cargas produzidas por 65 estabelecimentos;
- Coreia do Sul: havia bloqueado a compra de produtos da BRF, mas suspendeu a medida na terça-feira (21);
- Egito: suspensão temporária das importações (essa informação ainda não chegou oficialmente ao ministério);
- Estados Unidos: vão inspecionar 100% das amostras;
- Hong Kong: suspendeu temporariamente a compra de carnes e derivados;
- Israel: enviou pedido de informação;
- Jamaica: suspendeu temporariamente a compra de carne enlatada e termoprocessada;
- Japão: suspendeu importações das 21 plantas investigadas na operação;
- México: suspendeu importações (informação ainda não chegou oficialmente ao ministério);
- Suíça: suspendeu importações originárias de 3 plantas (informação não chegou oficialmente ao ministério);
- União Europeia: suspendeu importações das 21 plantas investigadas na operação;
O ministério considera que os pedidos de informação e suspensões temporárias dos países destinatários de carne e derivados brasileiros são uma "reação natural" após a operação. No total, 33 países e blocos importaram do Brasil nos últimos 60 dias. A Agricultura tem encaminhado respostas técnicas a todos os países que enviam questionamentos.

segunda-feira, 13 de março de 2017

A tragédia do suicídio: Por que permanecer vivo num mundo que corteja a morte

Uma morte no mundo a cada 40 segundos. Isso equivale a mais de 800 mil por ano. Você acha pouco? Ocorre que não se trata de mortes involuntárias, mas de mortes evitáveis e planejadas. Ou, para usar um termo mais impactante, suicídio. São pessoas que, por algum motivo, decidem “dormir” e não acordar mais. E cada caso deixa para trás lágrimas e pessoas devastadas. Para tornar o quadro ainda mais dramático, cada suicídio consumado representa uma pequena porcentagem das tentativas fracassadas. Por isso, pautamos o tema como matéria de capa desta edição. O objetivo é chamar a atenção para o fenômeno e ajudar na prevenção.
No Brasil, o número de suicídio entre as diferentes faixas etárias vem subindo, com destaque para jovens e idosos. Em 2013, segundo a pesquisa “Violência Letal: Crianças e Adolescentes do Brasil”, a taxa de suicídio entre jovens de 16 e 17 anos chegou a 4,1 para cada 100 mil. Porém, percentual maior ainda é visto entre idosos (8 suicídios para cada 100 mil) e os indígenas, com seu índice de 132% maior do que na população em geral.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, as principais causas desse mal, que não conhece barreiras geográficas nem culturais, são distúrbios mentais, depressão, doenças crônicas, perdas, drogas, bebida alcoólica, problemas financeiros,
violência, abusos, fim de relacionamento amoroso, senso de isolamento e o “colapso da capacidade de lidar com os estresses da vida”.
O pior é que o sofrimento da perda é intensificado pelo caráter de transgressão do gesto. No passado, o suicídio era visto com olhar ultra severo. Na Idade Média, a igreja codificou sua oposição ao suicídio, e as autoridades passaram a profanar os corpos dos suicidas, na tentativa de impedir novos casos. Na França, os corpos eram arrastados pelas ruas, enquanto na Noruega eles eram sepultados com os criminosos.
Hoje, a atitude está mudando, especialmente pela mobilização em favor do suicídio assistido, um tipo de morte em que o próprio paciente terminal põe fim à vida, com a ajuda de um profissional de saúde. Alguns países já legalizaram a prática, enquanto outros estão estudando o assunto.
Naturalmente, o tema é complexo e desperta debate. A Igreja Adventista tem uma postura responsável e realista. Ela defende a santidade da vida e o uso da tecnologia médica, mas reconhece que, à luz da promessa da vida eterna, não precisamos nos agarrar desesperadamente a um fio de vida, na tentativa de prolongar artificialmente um estado vegetativo ou “o processo de morrer” por tempo indefinido (Declarações da Igreja [CPB, 2012], p. 87). Afinal, em última instância, a “primeira morte” é um sono reversível e a vitória garantida na cruz é sobre a “segunda morte”, a eterna.
Por motivos óbvios, muitos são contra o suicídio assistido. “Nossa sociedade está rapidamente se tornando confortável com a noção de morte sob demanda”, protestou a escritora Kim Kuo em uma matéria publicada na revista Christianity Today em setembro de 2015. Ela menciona que seu marido fez a opção certa pela vida e lutou dez anos contra um câncer, sem perder a fé e a esperança em Deus.
No entanto, existem nomes fortes que defendem a prática do suicídio assistido, como o teólogo suíço Hans Küng, autor de A Dignified Dying (SCM, 1995). Em 2015, devido ao Mal de Parkinson, ele chegou a considerar essa possibilidade. Os anglicanos George Carey, ex-arcebispo da Cantuária, e Desmond Tutu, arcebispo emérito da Cidade do Cabo (África do Sul) e Nobel da Paz em 1984, também passaram a advogar esse “direito”.
Em face da dura realidade, o dever da sociedade é aprimorar o sistema de assistência nas fases críticas da vida, sabendo que nove em dez casos de suicídio são evitáveis. O estudo do governo para a criação do sistema de ligação gratuita pelo número 188, por enquanto disponível apenas no Rio Grande do Sul, é o primeiro passo. As igrejas e famílias, em especial, podem fazer muito para ajudar a identificar sinais de alerta e prevenir suicídios. A atitude mais importante é ouvir com acolhimento quem tem sido assediado por pensamentos suicidas.
Para quem está sofrendo uma perda dessa natureza, uma palavra de esperança. Embora o suicídio não seja moralmente neutro, também não é um pecado imperdoável. A Bíblia registra sete casos de suicídio em contextos negativos, mas não pronuncia juízo de valor sobre o ato, um silêncio que é interpretado de maneiras opostas. Ninguém deve julgar uma vida por um ato radical em um momento de desespero ou desequilíbrio químico. O julgamento é feito por um justo Juiz, o Deus da esperança e da misericórdia.
MARCOS DE BENEDICTO é editor da Revista Adventista