quarta-feira, 22 de março de 2017

Nem 1% do que foi descoberto pela PF foi mostrado, diz delator da Carne Fraca



22/03/2017 - Quando a Polícia Federal (PF) começou a investigar ações suspeitas de fiscais do ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), ela tinha como meta identificar se havia uma esquema de corrupção entre servidores públicos e empresas do setor de frigoríficos.
Ao grampear os telefones do suspeitos veio a surpresa: muitos dos diálogos narravam incidentes como contaminação de carnes, deficiências na refrigeração dos produtos, adulteração de mercadorias. Cada empresa era uma realidade diferente.
A maior parte dos crimes que podem ter alguma relação com riscos à saúde pública não chegou a ser investigada em profundidade na Operação Carne Fraca. No entanto, as conclusões dos investigadores estão descritas em detalhes nos autos do processo.
A PF pediu busca e apreensão em 56 empresas e órgão públicos, 37 do setor de alimentos. Mas uma análise do que foi apurado das 21 empresas que tiveram suspensas as certificações para exportação dá uma ideia da enorme diversidade de problemas que foram identificados.
Diversidade
Dos 21 frigoríficos, cinco são acusados apenas de prática de corrupção, sendo que, no caso de dois deles, os grampos indicam que funcionários e proprietários das empresas foram achacados para pagar propina. Eles chegaram a se queixar com os superiores dos fiscais, mas como as denúncias não deram em nada, acabam por aderir ao esquema.
Em três empresas, as investigações apontam que não havia efetiva fiscalização: os funcionários das unidades produtoras preenchiam certificados sanitários e outros documentos e os fiscais apenas assinavam. Vários são os relatos de que os papéis eram levados até a casa dos fiscais para serem assinados.
Há indícios também de que quatro empresas adulteraram documentos enviados ao Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) sobre a composição de produtos. Entre eles estavam salsichas que foram encomendados para atender uma licitação pública para escolas.
Os dois casos mais graves são de fraudes na formulação dos produtos alimentícios, como substituição de carne por outros produtos para enganar a fiscalização; carnes sem rotulagem, sem refrigeração; utilização de carnes estragadas para produzir embutidos, como salsichas e linguiça e falsificação de análises de laboratório dos produtos adulterados.
O fiscal agropecuário federal Daniel Gouveia Teixeira, responsável por denúncias que levaram à Operação Carne Fraca, afirmou que há uma série de irregularidades ainda não reveladas pela Polícia Federal (PF). Em entrevista à Rádio Eldorado nesta quarta-feira, 22, Teixeira ressaltou que o pagamento de propina é frequente no processo de fiscalização da carne. "Não foi mostrado nem 1% do que foi descoberto pela Polícia Federal", disse.
O servidor do Ministério da Agricultura, que foi transferido de função desde o início das investigações, atribui as falhas à ingerência decorrente de indicações políticas. "É a interferência de políticos para tirar e colocar fiscais mais rigorosos em locais que não atrapalhassem interesses das empresas", relatou.
Teixeira também revelou que havia denúncias relacionadas ao setor engavetadas há cerca de dez anos. "A PF conseguiu fazer em dois anos o que o Ministério da Agricultura não fez em dez", garante.
Apesar de denunciar o envolvimento de colegas e frigoríficos nos casos de corrupção, o fiscal tranquiliza a população em relação ao consumo da carne produzida no País. "Não é motivo de pânico. A população tem de conhecer o produto, verificar se é fiscalizado. 90% dos meus colegas são pessoas honestas e qualificadas que trabalham para garantir a qualidade dos produtos."
Teixeira ainda afirmou que as irregularidades foram registradas ao longo de vários governos, ao menos desde o mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e que não houve mudança após o PMDB assumir o Planalto. O delator disse não ter conhecimento de qualquer associação ou formação de cartel por parte dos frigoríficos que pagavam propina a servidores federais. Ele criticou ainda as tentativas de minimizar a importância da Operação Carne Fraca.
O funcionário representa a categoria como delegado sindical, mas garante não ser filiado a nenhum partido político. Ele recebe segurança da Polícia Federal e de outros órgãos de segurança do Paraná desde o início da operação, há dois anos e meio.




Com os Estados Unidos, que decidiram passar a inspecionar 100% das amostras de carne importada do Brasil, segundo informações do Ministério da Agricultura, e a Jamaica, que suspendeu as importações de carne enlatada e termoprocessada brasileira, já foram 12 os países ou blocos econômicos que adotaram algum tipo de restrição às importações do produto brasileiro ou pediram informações após a Operação Carne Fraca da Polícia Federal.
De acordo com balanço do Ministério da Agricultura fechado na terça-feira à noite, o número de países ou blocos que mantêm alguma restrição ao produto do Brasil caiu para 11, já que a Coreia do Sul havia bloqueado a compra de produtos da BRF, mas ontem voltou atrás e desistiu da decisão.
Veja a lista abaixo a lista de locais que chegaram a adotar algum posicionamento sobre as carnes brasileiras:
- Chile: suspensão temporária de todos os tipos de carne;
- China: suspensão do desembaraço aduaneiro de cargas produzidas por 65 estabelecimentos;
- Coreia do Sul: havia bloqueado a compra de produtos da BRF, mas suspendeu a medida na terça-feira (21);
- Egito: suspensão temporária das importações (essa informação ainda não chegou oficialmente ao ministério);
- Estados Unidos: vão inspecionar 100% das amostras;
- Hong Kong: suspendeu temporariamente a compra de carnes e derivados;
- Israel: enviou pedido de informação;
- Jamaica: suspendeu temporariamente a compra de carne enlatada e termoprocessada;
- Japão: suspendeu importações das 21 plantas investigadas na operação;
- México: suspendeu importações (informação ainda não chegou oficialmente ao ministério);
- Suíça: suspendeu importações originárias de 3 plantas (informação não chegou oficialmente ao ministério);
- União Europeia: suspendeu importações das 21 plantas investigadas na operação;
O ministério considera que os pedidos de informação e suspensões temporárias dos países destinatários de carne e derivados brasileiros são uma "reação natural" após a operação. No total, 33 países e blocos importaram do Brasil nos últimos 60 dias. A Agricultura tem encaminhado respostas técnicas a todos os países que enviam questionamentos.

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