domingo, 31 de janeiro de 2016

Alcoolismo, um drama que desafia a Rússia

Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) colocam a Rússia na lista dos países com padrões de consumo de álcool de maior risco da Europa
Veículo: O Globo
Seção: O Globo Digital
Data: 08/10/2007
Estado: RJ

Dezesseis anos depois do fim da União Soviética, ainda tem validade a campanha anti-etílica do tempo do comunismo.
No cartaz hoje à venda em mercados de pulgas e até pela internet, um homem rejeita o copo de vodka. Eram diversas as mensagens que a propaganda oficial estampava em posters contra o alcoolismo, mal endêmico do proletariado de então. Hoje o proletariado freqüenta os dicionários históricos, mas o álcool continua a assombrar a Rússia moderna.
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) colocam a Rússia na lista dos países com padrões de consumo de álcool de maior risco da Europa. O consumo entre russos é de 15,2 litros per capita por ano. Perdem apenas para moldavos (25 litros), húngaros (17,4 litros), croatas (17 litros) e ucranianos (15,6 litros). Quando comparado a dados de países da Europa ocidental como Itália (9,9), Holanda (10,3), Suécia (9,9) e Suíça (11,4), por exemplo, o índice russo soa ainda mais alarmante. Estatísticas oficiais mostram um cenário preocupante. Em entrevista ao GLOBO, a chefe do Instituto de Pesquisa Epidemiológica sobre Drogas do Ministério da Saúde, Evgenia Koshkina, afirmou que existem 2,31 milhões de alcoólatras no país — o equivalente a cerca de 1,6% da população. A grande maioria dos casos é registrada entre os homens. Trata-se de 1,88 milhão de casos, pouco mais de 81% do total observado pelo governo. A incidência entre mulheres é de 421 mil casos.

Jovens de até 14 anos dependentes
Mais alarmantes ainda são dados apresentados pelo vice-ministro do Interior, Alexander Chekalin, em reunião na Duma (câmara baixa do Parlamento): 40 mil pessoas morrem anualmente de envenenamento por álcool. Este é o número de óbitos por acidentes provocados pela ingestão de bebidas falsificadas ou fabricadas em casa.
Chekalin destacou que o consumo de álcool per capita é duas vezes maior que o patamar da OMS. Os dados do ministro ainda mostram que, nos últimos 30 anos, a parcela de mulheres alcoólatras dobrou e que a idade de jovens dependentes caiu de 16 para 14 anos. O consumo de álcool também teria impacto sobre a criminalidade, estando por trás de um em cada cinco crimes cometidos.
A grande quantidade de problemas entre jovens tem alarmado as autoridades.
As informações oficiais apontam para 2.647 casos de alcoolismo ano passado entre o público com menos de 18 anos. Esta, na verdade, é a idade mínima determinada por lei para que se vendam bebidas alcoólicas.
Especialistas afirmam que o álcool é um dos principais responsáveis pela baixa expectativa de vida, principalmente da população masculina. Os homens russos vivem em média 59 anos, contra 72 anos das mulheres. A Pesquisa sobre Fatores de Risco de Comportamento em Moscou, realizada pela OMS entre 2001 e 2002, mostra que 33,8% dos homens na faixa de 25 a 34 anos e 42% daqueles entre 35 e 44 anos bebiam todos os dias em quantidades superiores às consideras razoáveis.
Entre as mulheres, os percentuais eram de 6,4% e 1,2 %, respectivamente.

Fora da capital os números tendem a ser mais altos
— A bebida faz parte da cultura russa.E, por esta razão, a sociedade não reconhece que o alcoolismo é um problema. Aqui, o álcool não é apenas aceito, mas se espera que as pessoas consumam, principalmente os homens — afirma um especialista que prefere não se identificar. A tradição das longas comemorações com brindes sucessivos que podem entrar pela madrugada até a última gota de vodka não deixa de confirmar a análise. É quase ofensivo não tomar toda a dose da bebida em um só gole após o pequeno ou longo discurso que antecede o brinde. Da mesma maneira, não se deve recusar a companhia de copo ao anfitrião.
No mundo dos negócios, a assinatura de um bom contrato geralmente começa ou termina em um ou mais brindes.
Desconfia-se de quem quer fazer negócio mas não está disposto a compartilhar umas boas doses.
— Bebe-se para comemorar os bons momentos da vida e para lamentar os maus. Faz parte da masculinidade inclusive. É difícil convencer as pessoas de que está tudo bem se você não beber — diz o especialista.
Talvez por isso mesmo, os Alcoólicos Anônimos de Moscou registrem taxas particularmente baixas de procura.

Cerveja é opção em temperatura amena
Mas a vodka não é a única bebida consumida em excesso. Chama atenção o número de homens e mulheres nas calçadas carregando garrafas de cerveja — enquanto as temperaturas permitem. Em pleno verão, nos bancos à beira da Lagoa do Patriarca, área nobre da capital, dezenas de jovens se reúnem em pequenos ou grandes grupos, todos com garrafas à mão.
Para Evgenia Koshkina, assim como à baixa expectativa de vida, a dependência do álcool está relacionada a fatores sociais, como o desemprego. A especialista destaca que há uma preocupação muito grande do governo, que vem tomando medidas para tentar reduzir o nível de dependência.
— A solução está na educação, em campanhas. Desde crianças os jovens escutam dos pais que é preciso saber beber muito — diz Sergei Vladimirovich, que parou de beber há 10 anos.
Entretanto, há algumas especificidades que pesam no caso russo. A dureza do clima e as privações que a história impôs ao povo em diferentes momentos, fez da vodka uma aliada.

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