quarta-feira, 24 de agosto de 2016

“Gastos levam a nova marcha da insensatez”, diz Ricardo Ferraço

01/07/2016 - Ao votar pela admissibilidade do processo de impeachment, o senador Ricardo Ferraço (PSDBES) disse que a eleição não havia conferido à presidente afastada Dilma Rousseff um salvo conduto ou um cheque em branco para se colocar acima da lei. Menos de dois meses depois, o senador voltou a se valer das mesmas expressões, mas dirige-as, desta vez, ao governo do presidente interino Michel Temer.
No dia seguinte à aprovação do projeto de reajuste salarial do funcionalismo que terá um impacto de R$ 25 bilhões para o Tesouro Nacional, Ferraço revelou seu desencanto: “Parece que a ficha não caiu. A situação é de colapso, mas estamos brincado de pique à beira do vulcão. Estamos numa marcha da insensatez”.
Titular da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), Ferraço é um dos mais fiscalistas do Senado o que lhe torna um interlocutores mais frequentes do mercado financeiro na Casa. Depois de assistir com otimismo a posse de Temer, Ferraço viu o governo renegociar a dívida dos Estados que, na sua opinião, premiou os Estados que não fizeram a lição de casa, encaminhar a renegociação dos débitos do BNDES e, por último, aprovar o pacote de reajustes salariais: “Parece que a ficha não caiu. A situação é de colapso, mas estamos brincado de pique à beira do vulcão”.
Diz não acreditar que o impea- chment corra riscos no Senado e não aceita a tese de que é a interinidade que leva a tantas concessões. Critica o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, com quem jantou esta semana na casa do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), pela ambiguidade do discurso, e o presidente interino de ser perdulário com o capital de confiança que recebeu. “Afastamos uma presidente por crime de responsabilidade e estamos indo pelo mesmo caminho”. A seguir, a entrevista concedida, por telefone, ao Valor , na manhã de ontem, a partir de seu escritório, em Vitória:
Valor: O governo diz que todo o aumento de gastos que o Congresso vem chancelando cabe na meta fiscal. Não cabe?
Ricardo Ferraço: Parece que a ficha não caiu. A situação é de colapso, mas estamos brincado de pique à beira do vulcão. As estimativas de receita enviadas pelo Supremo [Tribunal Federal] para embasar seu pedido de aumento não condizem com a realidade. A receita teve o pior resultado da história em maio. Não digo que os funcionários não mereçam aumento, mas há tempo para tudo. E o sentimento da sociedade e do contribuinte é que não há mais como elevar a carga tributária.
Valor: Os senadores não estão sendo mais realistas que o rei?
Ferraço: Na prática é isso. Estamos sendo mais fiscalistas do que quem deveria ser. No jantar com o ministro [Henrique] Meirelles o questionamos sobre esses sinais ambíguos que o governo tem emi- tido, mas ele lavou as mãos. Disse que a decisão é do Congresso. Esperávamos que ele pintasse o quadro como é. Do jeito que vamos não será surpresa se tivermos que aprovar nova meta no fim do ano para abrigar tantos gastos.
Valor: O governo argumenta que o reajuste já estava contratado. Não estava?
Ferraço: Na reunião que fizemos com o ministro Dyogo Oliveira [Planejamento] ele disse que há espaço fiscal e que esse impacto está quantificado, mas não há contratação sem aprovação do Congresso e o Congresso não poderia ter aprovado esse aumento com a realidade que se impõe ao país.
Valor: O que tem levado a equipe econômica a ser tão leniente com esse aumento de gastos?
Ferraço: Francamente não sei. A receita cai e a despesa cresce numa velocidade muito maior. Não sei o que vem pela frente. Se continuarmos admitindo esse volume de pressão vai ser muito ruim. A PEC [proposta de emenda constitucional] dos gastos, que é fundamental, corre o risco de ficar desmoralizada antes mesmo de ter sido aprovada. Se chegarmos a 2019 nessa toada, o freio de arrumação vai ser intolerável. Temos que ir fazendo gradualmente. E não há nada mais inconveniente para isso do que aumentar o teto salarial. A Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece um limite de 6% para os tribunais de justiça nos Estados. O Espírito Santo, por exemplo, já estourou esse limite. Como é que vai abrigar esse aumento?
Valor: O senhor acha que o mi- nistro da Fazenda está sendo político demais?
Ferraço: Sim. Os números falam por si. Os dados indicam que a crise é mais complexa que o discurso. Vivíamos num período de guerra e agora estamos no pós-guerra. Depois dessa pressão toda do Judiciário quem garante que não virão outras pressões? Se dou mais para um, outros vão querer. A pílula está sendo dourada para além da realidade. Ora recebemos a informação de que o quadro é dramático. Ora de que cabe tudo no déficit. Está faltando uma conversa clara.
Valor: O governo esperava que essa PEC dos gastos estabelecesse a percepção de mudança no regime fiscal do país, ainda que no longo prazo. Não conseguirá?
Ferraço: Não é isso que estou vendo. O mercado não via luz no fim do túnel. Com o novo governo, todos passaram a enxergá-lo. O selo de validade existe, mas corremos o risco de rasgá-lo. O presidente do Banco Central disse que a solução dos juros está condicionada à política fiscal. Sem desatar o nó fiscal não resolvemos a inflação. Vamos novamente recorrer à ancora cambial. É peso demais para o câmbio sustentar a inflação. O Brasil não é competitivo com o câmbio inferior a R$ 3,20. A classe política não quer entender que a marcha da insensatez precisa ser interrompida. Estamos indo a mercado pagar juros caríssimos para manter o custeio de uma máquina que não para de inchar. O dinheiro que estamos canalizando para esses gastos estamos tirando de necessidades básicas da população. Não estamos sabendo priorizar. O governo que passou achava que o dinheiro nasce em árvore e levou o país a um nível de endividamento que nunca se viu. Não podemos imitá-lo.
Valor: Em escala de gravidade qual foi pior gasto deste governo?
Ferraço: Expandimos os gastos em R$ 125 bilhões. Esse impacto não é só em 2016. Somem-se Bolsa Família, a renegociação das dívidas estaduais, dos débitos com o BNDES. A negociação com os Estados contrariou aqueles que fizeram o dever de casa, como o Espírito Santo, que se apertou para se enquadrar. Todos esses esqueletos vão sendo tirados do armário. A PEC dos gastos não impõe dever de casa aos Estados. A equipe econômica resgatou a confiança mas não tem salvo conduto, não recebeu um cheque em branco. Estamos a caminho de uma marcha da insensatez.
Valor: A gastança não se deve a um temor do governo em relação ao impeachment?
Ferraço: Não acredito. Os debates na CAE iam bem. O senador Romero Jucá atropelou-o com a negociação da proposta de reajuste. Os anexos da proposta indicavam que se aprovássemos aquilo esta- ríamos incorrendo em crime de responsabilidade. Afastamos uma presidente da República por isso e fazemos o mesmo? Não sou a primeira pessoa a falar isso. É claro que o mercado vai ficar muito feliz quando a gente aprovar essa PEC dos gastos porque vai sinalizar que estamos longe do default mas o projeto adia o problema. A Justiça brasileira é uma das mais caras do mundo. Custa 1,2% do PIB. Nos Estados Unidos custa 0,3%. Quando se projeta a aprovação da PEC dos gastos para 2019 o que aparece é que vamos ter que cortar 25% no custeio do Judiciário para enquadrá-lo nos limites. Como vai ser? Conquistamos um capital, a confiança é importante, mas a confiança tem limites.
Valor: Não é a interinidade que leva o presidente a ter que fazer concessões além da conta?
Ferraço: Não acredito que o impeachment corra risco. O impeachment está nas mãos do Senado. Estamos decidindo sobre o futuro do Brasil. O que é que tem a ver uma coisa com a outra? Não tem necessidade de fazer esse jogo para confirmar o impeachment. O governo Temer é de transição. Deve buscar a unidade nacional para arrumar a casa. O legado é terrível. Ele entrou com um enorme capital, mas não tem salvo conduto. Estamos sendo observados não pelo que falamos, mas pelo que fazemos.

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